... E que ao que parece leva a sua política demasiado a sério. Mas tão a sério ao ponto de ofender e perturbar pessoas que por lá tentam ser atendidas.
Uma coisa é tentar erguer um conceito, uma marca, outra completamente diferente é ser fanático por um idealismo e tentar, à volta disso, criar um conceito que é retardado e fora de prazo.
Vejamos:
http://www.figaroslisboa.com/ - Temos já aqui um conceito em que os animais são permitidos mas o género feminino não. É só de mim ou isto não tem qualquer sentido? Desde quando é que em pleno século 21 isto existe? Mais uma vez, uma coisa é ter um conceito mas levá-lo a este extremo, não. E estamos a falar de uma coisa que não é de todo barata. Um corte de cabelo masculino, aqui, são 25 euros. No barbeiro da minha rua não chega a 10 e o homem tem direito a saber as notícias dos últimos meses e a uma massagem no couro cabeludo.
Mas, claro, isto piora.
Dei de caras com a seguinte peripécia relatada no facebook (não conheço, claro, nenhum dos intervenientes mas achei de péssimo gosto e por isso decidi mostrar publicamente a minha indignação.) Por lei é proíbido negar um livro de reclamações. Se algum dia, alguém, tem a infeliz ideia de gozar com alguém que esteja comigo, seja porque motivo for, e eu estiver num dia menos bom... Bom, vamos rezar para que isso não aconteça.
Então o que se passou foi o seguinte:
"A Figaro's Barbershop é uma barbearia na Rua do Alecrim em Lisboa e eu gostava de vos dizer mais sobre o negócio mas no site deles, na parte do Sobre Nós, não tem nada escrito, apenas três fotos muito intensas e saturadas de homens a atender homens.
Intensidade. Saturação.
Se o moço do secador está com particular ar de quem não tem a certeza do que está a fazer, é porque não tem: o staff da Figaro's Barbershop é numeroso, mas apenas dois dos funcionários são barbeiros.
Sabemos porque vistámos a Figaro's Barbershop no passado Sábado. Um corte de cabelo de 25 EUR não está bem dentro do nosso orçamento, mas o pessoal poupou para me oferecer o meu penteado de sonho:
'É aquele corte de rapaz rico e bem-sucedido sachavor'
Para evitar ter que dizer 'sim, a sério' várias vezes à minha cabeleireira, o que infelizmente na minha experiência é frequente necessidade quando se trata de querer um corte de cabelo rotulado de 'masculino', resolvemos ir a uma barbearia a sério.
E se a Figaro's se apresenta como alguma coisa, é como uma barbearia a sério. Da página de Facebook da barbearia:
'Lembra-te filho, homens a sério vão a barbeiros a sério'
O problema, para além de toda a imagem de marca da Figaro's Barbershop ser transmitida exclusivamente em Inglês, é que a imagem de marca da Figaro's Barbershop gira toda à volta do sinal que têm na montra, num bom tamanho, assim como no site:
Ora debaixo do homem diz 'Eu posso entrar', debaixo do cão diz 'Eu também' e debaixo da mulher diz 'Eu não posso'
Foi com esta imagem que conseguiram alguma atenção mediática: há duas semanas falou-se muito neles e de todo o lado sairam homens a defender o direito a afixar publicamente um manifesto empresarial que concede aos cães mais humanidade do que às mulheres. Ouviu-se muito, leu-se muito 'Ah, deve ser só uma brincadeira'.
Depois da nossa visita à Figaro's Barbershop ficou claro que para o staff não é brincadeira nenhuma: levam a cultura que criaram para o estabelecimento muito a sério, e é uma cultura de ódio às mulheres, homofobia, transfobia e masculinidade tóxica. Tem muito pouco a ver com oferecer cortes de cabelo de qualidade a bom preço.
'Plano de negócios? Nah man eu queria era um sítio pra tirar fotos BRUTAIS'
Mal entramos, ainda na rua com a mão na porta, dois funcionários cuja função aparenta ser ficar à frente da porta (que de tão pequena não é muito acessível à partida) repetem várias vezes em Inglês 'desculpe, desculpe, não pode entrar'.
Entramos (duas mulheres, dois homens, e esta pessoa não-binária que vos escreve) e somos imediatamente recebidos por outro funcionário que pergunta o que é que queremos.
Digo que quero um corte de cabelo, e nem posso chegar à parte do Ronaldo já o funcionário responde:
'Não atendemos mulheres'
Uma das coisas que mais ouvimos no pouco tempo que estivemos na Figaro's Barbershop. 'Não atendemos mulheres', 'Não cortamos cabelos de mulher', 'É que as mulheres e os homens são diferentes', 'Os produtos que usamos são para homem'
Estamos nós a tentar compreender as diferenças biológicas fundamentais entre capilares 'de homem' e capilares 'de mulher' quando me dou conta que todos os funcionários excepto um (que està a atender um cliente cujo cão descansa confortavelmente perto da entrada) nos rodearam.
Um funcionário fecha rapidamente a porta e tenta várias vezes trancá-la (o trinco não funciona muito bem).
A partir daqui sinto sintomas de ansiedade, que é algo com que lido diariamente e que tende a agravar-se quando eu e pessoas de quem gosto somos raptadxs por barbeiros.
Pânico.
Recusam categoricamente prestar-me serviços em troca de moeda.
Pedimos o livro de reclamações.
Recusam de igual modo disponibilizar o livro de reclamações.
Eventualmente decidem que os homens podem assinar o livro de reclamações.
Um dos funcionários agarra o meu amigo pelo braço e diz 'queres assinar o livro de reclamações? anda lá pra trás', 'pra trás' sendo presumivelmente onde está o livro de reclamações, sendo impossível que este nos seja trazido.
Quando os meus amigos recusam ir 'lá pra trás' para assinar o livro de reclamações, somos convidadxs a sair, e assim fazemos.
Enquanto estivemos dentro da Figaro's Barbershop os funcionários repetiram várias vezes que iam ligar, e depois que tinham ligado, à polícia. Quando saímos ouvimos 'as senhoras vão embora agora né, que chamámos a polícia'. Quando a polícia de facto chega, chamada por nós, fica evidente que os funcionários não chamaram polícia coisa nenhuma.
Esperamos uma hora e tal pelos agentes em frente à barbearia e depois, com o cansaço, no vão da porta ao lado.
Os funcionários entram e saem da loja para nos assediar a gosto.
A um amigo é dito 'Tu é que precisas dum corte de cabelo, pareces um panel**ro'.
Um funcionário goza com os meus tremores e argumenta que é por ser 'doente mental' que vou ali 'armar confusão'.
Quando decido apontar o que dizem, já sei como é a minha memória, o mesmo funcionário continua 'Ai a menina tá a apontar o quê?'. Lembro-lhe que já o informei algumas vezes que não sou uma menina e que para além disso não interessa e ele diverte-se muito a dizer 'Ah és um menino é? Não me digas que és um menino!'
Tiram foto à minha mãe (sentada no vão da porta ao lado à espera da polícia) com um smartphone. Quando falamos disto à polícia apresentam um telemóvel completamente diferente, daqueles pequenos e baratos, e dizem que não têm telemóvel que tira fotos.
Tudo coisas bonitas.
Falamos com os agentes, os agentes falam com os funcionários, no interior, e eventualmente um agente chama-me ao interior do estabelecimento para assinar o livro de reclamações. Passam duas horas desde que pedimos o livro de reclamações.
Um funcionário coloca o livro nas minhas mãos em completo silêncio, sem nenhuma indicação. Preencho tudo e quando entrego o livro ficam simplesmente com ele, sem me dar a cópia da reclamação.
Informo que a segunda via é para me ser entregue.
O funcionário tira do livro a folha que me deve ser entregue e entrega-a ao colega em falsa distração.
Quando pesco a reclamação das maõs do colega, gozam comigo e chamam-me 'mal-educada'.
Pois.
E foi isto. Quem diria que um estabelecimento comercial que em 2014 permite entrada a cães e proibe entrada a mulheres é gerido por homens sexistas misóginos homofóbicos e transfóbicos, incompetentes e emocionais, pequenos e rancorosos. Qual é a ideia de recusar clientela num Sábado pouco movimentado?
É misoginia.
É a cultura do 'homem a sério' que permeia toda a sociedade, aqui condensada num único estabelecimento lisboeta que resolveu fazer do ódio às mulheres e da masculinidade tóxica a sua imagem de marca, a sua missão enquanto empresa.
Cortes de cabelo não têm género. Cabelo não tem género. É cabelo.
Diferentes modos de apresentação não são coisa nem de um género nem dos outros.
Recusar agressivamente clientela com base no género percepcionado não é vintage.
É anticonstitucional."
Bom, perante isto... tirem vocês as vocês conclusões